segunda-feira, 30 de outubro de 2017

FONTES DA MORALIDADE


Em se tratando de Teologia, nunca será supérfluo lembrar, de quando em vez, que muitos termos teológicos não coincidem exatamente com a noção que vulgarmente deles se tem. Assim sendo é bom lembrar que MORALIDADE no sentido teológico significa algo que é feito livremente e levando em conta a bondade ou malícia do objeto. Portanto, ato moral não é só o que é bom, mas também pode ser o que é mau. Assim pois,  MORALIDADE, teologicamente falando, é a consideração se a coisa é boa ou má diante de Deus.

FONTES DA MORALIDADE são os elementos que podem contribuir para que um ato seja conforme ou não com a norma de moralidade. E são três: o OBJETO do ato, as CIRCUNSTÂNCIAS do mesmo e o FIM do agente. Todas estas três coisas devem ser inteiramente boas para que o ato seja bom; se, portanto, uma só delas for má, também o ato moral, será mau. Daí aquele célebre axioma teológico: Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu (=para uma coisa ser moralmente boa é necessário que o seja inteiramente, isto é, que o objeto, as circunstâncias e o fim sejam bons; para ser má, basta que uma só destas três coisas seja má).

NB. Desculpem-me os teólogos por eu, às vezes, me estender em explicações, porque falo evidentemente para todos, inclusive para os que não são afeiçoados à Teologia. E como hoje infelizmente, pessoas da hierarquia eclesiástica, estão lançando a verdadeira Teologia às urtigas, é mister que todos os fiéis a conheçam bem claramente, e não venham perder a fé.

Consideremos hoje estas três fontes da moralidade: o objeto, as circunstâncias e o fim.

1. O OBJETO.
É aquilo para o qual o ato moral tende imediatamente e no qual proximamente e por si mesmo termina o vontade do agente. É o que constitui a moralidade essencial e primária, pois, ela aparece antes de qualquer outra proveniente do fim ou das circunstâncias.

A MORALIDADE DO OBJETO: 1º - Pode ser EXTRÍNSICA e INTRÍNSECA.
A moralidade do objeto é extrínseca quando o objeto, indiferente em si mesmo, se torna bom ou mau porque foi mandado ou proibido. A moralidade do objeto é intrínseca se está mandado ou proibido por ser em si mesmo bom ou mau, seja em absoluto, ou seja, independentemente de toda circunstância; seja condicionalmente, isto é, em função de algo que pode mudar. Devemos observar que, às vezes, se diz intrinsecamente mau o que com mais propriedade deveria dizer-se intrinsecamente perigoso, como por ex. o olhar algo incentivo da luxúria.

Na verdade, o objeto é bom, ou mau, ou indiferente, enquanto está de acordo com a razão, a lei ou com a reta ordem (bom) ou não(mau); ou então está fora da lei ou da reta razão (indiferente). Quando o objeto é indiferente, isto é, em si mesmo não é nem bom nem mau, o ato terá sua moralidade determinada ou pelo fim ou pelas circunstâncias. Quando a moralidade é proveniente do objeto, chama-se moralidade (bondade ou malícia) OBJETIVA.

2º - O ATO EXTERNO enquanto é objeto da vontade, comunica ao ato interno sua própria moralidade objetiva, específica; e quando é efeito ou realização, nada acrescenta de per si à moralidade do ato interno; contudo, circunstancialmente a modifica quase sempre, já por seu influxo no ato interno, que intensifica ou faz repetir, já por razão dos efeitos e consequências que se originam do ato externo, como são a edificação, o escândalo, as censuras, o dever de reparar o dano, etc..  Se o ato externo é gravemente pecaminoso, se deve manifestar sempre na confissão, pois, constitui moralmente um mesmo ato com o interno.

Devemos notar que os atos maus podem ser de três classes: a) ABSOLUTAMENTE MAU:  é mau independentemente de toda circunstância; isto porque estes atos envolvem uma repugnância com a reta ordem absolutamente necessária, por exemplo, o ódio a Deus, a blasfêmia etc.. b) INTRINSECAMENTE MAU: não precisamente em si mesmos, mas em razão de algum adjunto ou condição que depende do poder de domínio de Deus ou do homem, por exemplo, tirar coisa alheia, lesar o corpo ou a fama e coisas semelhantes que, às vezes, se tornam lícitas. Resumindo: Intrinsecamente maus são ditos proibidos porque são maus; e extrinsecamente maus são ditos maus, porque são proibidos.  c) MAU SOMENTE EM RAZÃO DO PERIGO que ordinariamente vem acompanhando o ato, como por ex., o olhar de um objeto torpe, a leitura de um livro mau, etc. Estes atos, quando houver uma causa razoável, e o perigo é remoto, se tornam lícitos. 

AS CIRCUNSTÂNCIAS: São as qualificações acidentais do ato, sem as quais este pode existir quanto à substância (substancialmente), e que, no entanto atingem de algum modo a sua moralidade. Em outras palavras: circunstâncias são as condições acidentais que modificam o moralidade substancial que sem elas tinha já o ato humano. São sete, expressas em latim neste frase: "Quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando?". Traduzido: Quem, que coisa, onde, com que meios, por que, como, quando? Vamos explicá-los:
QUEM: isto é, qual o agente? Por ex.: se é solteiro ou casado, se é leigo ou consagrado a Deus, etc.  -  QUE COISA: isto é, qual  a qualidade acidental ou a quantidade do objeto?  -  ONDE: isto é, em que lugar, se sagrado ou profano, etc.  -  COM QUE MEIOS: isto é, que instrumentos, meios etc.  usou o agente?  -  POR QUE: ou seja, com que finalidade, certamente extrínseca?  -  COMO: por exemplo, se de má fé ou boa fé, se de modo intenso ou não, se advertidamente ou não etc.  -  QUANDO: isto é, em que tempo e por quanto tempo? (Cf. S. Tomás, 1-2, q. 7, a. 3 e 4).

O ato humano haure sua verdadeira moralidade das circunstâncias, porque elas, que só podem ser procuradas juntamente com o objeto seja direta ou indiretamente, afetam o ato em si mesmo, enquanto é ato humano, e este depende da regras dos costumes. Ora, muitas vezes têm relação de conveniência ou inconveniência com  a razão e reta ordem. Logo, as circunstâncias afetam no ser do costume ou quanto à moralidade; e nos atos indiferentes, são as circunstâncias que determinam a moralidade do ato.

INFLUXO DAS CIRCUNSTÂNCIAS: umas determinam a moralidade do ato; outras em nada a modificam, e são consideradas indiferentes; umas deixam o objeto em sua própria espécie; e outras mudam a própria espécie do ato, ou acrescentam uma nova espécie. Assim por ex. um único pecado pode ser tornar mais de um: quem rouba comete um pecado contra o 7º mandamento de Deus; com a circunstância de roubar num igreja, acrescenta outro pecado de espécie diferente que é o sacrilégio. Assim sendo, há obrigação de na confissão contar as circunstâncias que mudam a espécie de pecado.  Lembramos também que umas circunstâncias agravam e outras diminuem a malícia do ato. E podem agravar de tal modo a malícia de um ato que, de venial, se torne mortal; como também pode diminuir de tal modo a gravidade que, de mortal, o torne venial. Nestes casos dizemos que o ato permanecendo em sua mesma espécie moral diz-se que mudou quanto à espécie teológica. As circunstâncias GRAVEMENTE pecaminosas danificam gravemente a bondade natural do ato e destroem a sua bondade sobrenatural porque afastam totalmente do fim último. Já as CIRCUNSTÂNCIAS LEVEMENTE pecaminosas (p. ex. orar com tibieza, agir precipitadamente) não tiram TODA bondade do ato, porque este conserva a moralidade essencial que lhe vem do objeto.

O FIM: É aquilo que intenta conseguir aquele que obra. O fim da obra é intrínseco à própria obra e é justamente para ele que a obra por si mesma tende. Já o fim do operante é aquele para o qual o agente livremente dirige sua intenção ou é aquele que o agente preferiu, quer se identifique com o fim da obra, quer lhe seja diverso e extrínseco à obra. Aqui considera-se somente o FIM DO OPERANTE porque, na verdade, só ele é propriamente considerado FIM.

SEU INFLUXO: O FIM DO AGENTE  comunica ao ato humano uma moralidade, não precisamente ESSENCIAL, a não ser que se identifique com o fim da obra. O fim comunica, porém, uma moralidade PRINCIPAL, pois é a causa principal do ato (S. Tomás, 1-2 q. 7 a. 4).
 1 - UM FIM GRAVEMENTE MAU corrompe TOTALMENTE   o ato se ele é o único motivo de obrar. Por ex.: se alguém dá uma esmola tão somente para arrancar a fé ao pobre que socorre. UM FIM GRAVEMENTE MAU também corrompe o ato mas SÓ PARCIALMENTE, quando o fim mau não é o motivo total e adequado da ação, p. ex., alguém vai à Missa para cumprir o preceito dominical e, ao mesmo tempo, para se encontrar com uma pessoa e fomentar maus desejos.
2 - UM FIM LEVEMENTE MAU se é TOTAL , vicia também todo o ato, porque toda a intenção do agente é má, como naquele que reza unicamente para ser visto pelos homens. Se O FIM LEVEMENTE MAU  é PARCIAL,  vicia o ato só parcialmente, pois não destrói a tendência da vontade para a bondade objetiva da ação ou para outro fim extrínseco bom, p. ex., quando alguém se aproxima dos sacramentos com reta intenção e ao mesmo tempo com o vão desejo de agradar aos homens.
3 - Um ato humano é bom na ordem moral, se é buscado como tal e com referência a Deus, com uma relação ao menos virtual implícita. Esta consiste em que a obra, por sua própria natureza e objetivamente, está ordenada ao fim último, isto é, em que seja conforme com a natureza racional e se a realize como tal.

CONSEQUÊNCIAS: Sendo Deus o único fim último,  buscar um prazer não proibido por outros capítulos,COMO FIM ÚLTIMO,  é pecado grave, pois encerra uma grave desordem, com desprezo virtual de Deus. No entanto, quando O FIM NÃO É ÚLTIMO, aí temos duas hipóteses: a) se o agente exclui positivamente o fim que pretende a natureza, pelo menos é pecado venial, pois há nisso alguma desordem; b) se o agente não exclui positivamente, provavelmente não comete nenhum pecado já que com isso não se faz senão secundar a intenção de Deus.

NOTAS: 1ª - ATOS MORAIS INDIFERENTES podem dar-se EM ABSTRATO na ordem natural, se levamos em conta só o objeto; segundo a sentença mais comum, porém, não podem dar-se EM CONCRETO, levando em conta o fim e as circunstâncias: p. ex., passear para recrear-se é uma ação boa, não indiferente, se o recreio é moderado e portanto pode ser referido a Deus; do contrário, é mau.

2ª - Para que o objeto e as circunstâncias comuniquem ao ato sua bondade, devem buscar-se diretamente e por razão dessa bondade; em troca, para que o infeccionem com sua malícia, basta que se os busque ainda indiretamente em sua causa voluntária pecaminosa e sabendo que são maus, ainda que não se queira precisamente por serem maus. 

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