sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O CONCURSO DO VOLUNTÁRIO


"É necessário que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que é devido ao corpo, segundo fez o bem ou o mal" (2 Cor. V, 10).

O voluntário em si, não só o atual, mas também o meramente virtual, basta para o ato humano e para sua moralidade e valor; para isto, no entanto, o voluntário interpretativo e habitual não são suficientes. Contudo basta a intenção habitual para receber certos efeitos jurídicos ou espirituais que não exigem atuação pessoal, tais como os puros dons de Deus.

O voluntário em causa pode determinar ou aumentar a malícia do ato humano. No entanto, o efeito mau não modifica a moralidade de um ato, isto é, o efeito mau só pode ser imputado ao que põe sua causa, quando se dão estas três condições: 1ª - quando há previsão, pelo menos confusa, do efeito que se há de seguir segundo a natureza das coisas, e não só por especiais circunstâncias. Isto é requerido porque o efeito não previsto de nenhum modo e, como diz Santo Tomás, NÃO  PRECOGITADO, não pode de maneira alguma, ser voluntário ; 2ª - quando há liberdade para não por a causa, ou para retirá-la uma vez posta sem deliberação. Isto porque a liberdade é fundamento da imputabilidade e, portanto, repugna haver pecado quando este não pode ser evitado;  3ª - quando há obrigação de evitar o tal efeito, ou de impedir que se siga de tal causa. Donde, é isento de toda culpa quem enquanto, para utilidade própria ou dos outros, estuda matérias de sexto mandamento, prevê que terá movimentos torpes ou mesmo polução e depois de fato tudo isto acontece. É mister, porém, observar atentamente, que, às vezes, não há nenhum direito de por a causa, e até há uma lei estrita que a proíbe; não obstante, o efeito mau previsto e depois seguido, não é imputado como pecado, porque aquela lei não é para evitar a causa em ordem a tal efeito. Por ex.: Alguém come carne na sexta-feira com previsão de ter polução, infringe, na verdade, a lei eclesiástica, mas o polução não lhe é imputada como pecado. Assim ensina Santo Afonso, n. 10 e 14; Praec. Decal. n. 483 e 484.  

A causa de duplo efeito(um bom e outro mau) se põe licitamente, apesar do efeito mau, se AO MESMO TEMPO (simul = conjuntamente sem faltar uma sequer) houver as seguintes condições: 1ª - A CAUSA É BOA, ou ao menos indiferente, e tem um efeito bom, tão IMEDIATO  pelo menos como o efeito mau em ordem de causalidade (não precisamente no de tempo ou lugar); o AGENTE tem em mente o fim bom e tem razão grave suficiente e proporcionada para permitir o efeito mau, considerada tanto sua gravidade como sua proximidade, dependência da causa e conexão com a mesma. Atenção: se faltar uma destas condições, quer no único caso de por livremente a causa, há pecado, ainda quando não se siga o efeito, seja por razão da causa, quando esta é má em si mesma, seja, ao menos, por razão da virtude que manda não pôr tal causa, e retirá-la, uma vez posta, para que o efeito mau não se siga.  

A explicação destes princípios é a seguinte: Primeiro, em razão do fim, pois este supõe-se honesto, e o efeito mau que é previsto acontecer, não é intencionado, mas meramente permitido; em segundo lugar: em razão da causa, porque esta deve ser boa, ou, pelo menos indiferente, e embora no caso de ser má, requer-se que não seja má por causa daquele efeito que deve acontecer; porque então contrairia a malícia da causa, mas não a malícia do efeito.

O efeito mau é imputado em si mesmo: 1º - COMO PECADO, sempre que for permitido com deliberação: ou negativamente, havendo obrigação de impedi-lo; ou positivamente, havendo obrigação de abster-se de uma ação para justamente evitar o efeito mau. 2º - SÓ COMO EFEITO DO PECADO,  certamente, se antes que se siga o efeito mau, foi retratada seriamente a vontade má; e provavelmente, ainda quando não se haja retratado, se o efeito já não depende da vontade. Mas os danos, caso tenha havido, devem ser reparados.

Vejamos, agora, caríssimos, as consequências práticas destes princípios que acabamos de expor e explicar. Assim serão melhor compreendidos e assimilados:

1. Não são imputados como pecado por exemplo: alguém que se embriaga não sabendo da força alcoólica da bebida, como foi o caso de Noé, narrado na Bíblia. Não são imputados os pecados de seus leitores ao autor de um livro mau que foi editado contra sua vontade e cuja difusão já não é possível impedir; também não comete pecado um médico que sentisse movimentos da carne no exercício de sua profissão.

2. Não peca o sacerdote que administra a comunhão a um pecador oculto que se lha pede publicamente. É claro que quando o pecador é PÚBLICO, o sacerdote tem obrigação de negar-lhe a comunhão. Outro ex.: não peca quem por necessidade pede um empréstimo a um usurário. Peca, porém, a mulher que provoca em si um aborto para evitar a infâmia de seu embaraço.

3. Quem toca impudicamente uma mulher, crendo que vai sentir prazer venéreo, É RÉU  do mesmo em sua causa, quer o sinta ou não. O prazer venéreo provocado em sonhos por um mau pensamento não é imputado em si mesmo, posto que está fora do domínio da vontade, mas sim é imputado como pecado em causa, quando posta com previsão deste deleite. Penso não ser supérfluo avisar, pelo menos para os escrupulosos, que só é pecado em causa no caso do sonho quando há previsão do prazer.

4. Um homicídio, voluntário só em causa e perpetrado em estado de plena embriaguez, não é em si pecado (diante de Deus) se entre a bebida e a perda do uso da razão, se retratou da má vontade; provavelmente também não é pecado, ainda que não se retratara, posto que o ato mesmo de matar não é livre; contudo, havendo sido efeito de uma injustiça estrita, implica na obrigação de reparar os danos previstos. É claro que havendo previsão, mesmo que confusa, que na embriaguez haveria possibilidade de cometer o homicídio, então este homicídio é imputado como pecado. E é mister observar que quem cientemente põe a causa de uma ação má, no mesmo instante contrai uma malícia diante de Deus, embora a ação realmente não aconteça; e por isso deve ser confessada como desejada.

Como já dissemos no artigo anterior, três são os constitutivos do ATO HUMANO: o conhecimento, a volição e a liberdade. Falaremos do conhecimento ao tratarmos da CONSCIÊNCIA; e, sob o único vocábulo VOLUNTÁRIO falamos da volição e da liberdade, não porque ambos se identificam, mas porque nos atos pelos quais o homem viajor nesta terra tende para seu fim, realmente nunca se separam e é por isso que os teólogos empregam VOLIÇÃO E LIBERDADE indistintamente. E assim terminemos este artigo falando um pouco sobre a LIBERDADE:

LIBERDADE é a faculdade de agir ou não agir; ou de escolher uma coisa de preferência a outras.  Escolher é o mesmo que decidir-se por um de dois termos. Daí temos as divisões ou espécies de liberdade: se os dois termos são contraditórios, temos então, A LIBERDADE DE CONTRADIÇÃO;  se são contrários, temos aí A LIBERDADE DE CONTRARIEDADE; e se são simplesmente diversos, temos A LIBERDADE DE ESPECIFICAÇÃO.


Vejamos, embora de modo sucinto, os PRINCÍPIOS que regem o CONCURSO DA LIBERDADE: 1º - Como o homem é dono de seus atos ( portanto, responsável por eles diante de Deus) e por conseguinte é verdadeiro autor deles só quando os põe sem coação nem externa nem interna, a LIBERDADE é condição indispensável do ato humano para que este seja susceptível de prêmio ou castigo. 2º - Ainda que no estado de natureza decaída, o homem é realmente livre, com liberdade não só de contradição, que seria suficiente para a imputabilidade, senão também de especificação e de contrariedade, podendo-se inclinar fisicamente ao mal. 3º - A natureza decaída ajudada pela graça, que sempre tem à sua disposição quando faz o que está em seu alcance, pode observar fielmente os mandamentos; e, ainda que ferida pelo pecado, não está enfraquecida de tal modo que fique livre de responsabilidade moral diante da lei, nem possa proceder sempre em pura passividade (Cf. C. de Trento, sess. 6, can. 5). 

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