quinta-feira, 30 de março de 2017

CARTA PASTORAL SOBRE A PRESERVAÇÃO DA FÉ E DOS BONS COSTUMES


(CONTINUAÇÃO)

IV [c]

A Santíssima Eucaristia

Todos nós, caríssimos filhos, fomos formados no mais entranhado amor e na mais profunda reverência para com a Santíssima Eucaristia, o Sacramento de nossos altares. Na Sagrada Hóstia temos a convicção de que está vivo Nosso Senhor Jesus Cristo, tão real e verdadeiramente como está nos Céus. De pão, como, no cálice, de vinho, só se conservam as aparências, porquanto no momento da consagração toda a substância de pão e toda a substância de vinho se transformaram no Corpo e no Sangue da Santíssima Humanidade de Jesus Cristo, indissoluvelmente unida à Pessoa adorável do Filho de Deus. Essa mudança total, a Igreja definiu no Concílio de Trento (Sess. XIII), cap. IV e cânon 2), chama-se transubstanciação. Por isso, porque na Sagrada Hóstia não há nada da substância de pão, mas foi tudo transmudado no Corpo de Cristo, por isso, dizemos, nós rendemos a mesma adoração a qualquer parte, ainda que mínima, da Sagrada Hóstia, e tomamos todo o cuidado com os fragmentos que notamos na patena.

Os construtores do novo cristianismo não pensam assim. Eles não conhecem a doutrina definida infalivelmente pelo Concílio de Trento. Para eles a Eucaristia não passa de um símbolo. O pão significa a presença de Cristo, passa a indicar o alimento espiritual. Por isso mesmo, não creem eles que se deva ter grande atenção aos fragmentos da Sagrada Hóstia, pois, dizem, segundo o senso comum um fragmento não é pão. Com isso deixam pairar dúvida sobre o que foi sempre o centro da piedade cristã, o Santíssimo Sacramento, a Vítima do Sacrossanto Sacrifício da Missa que permanece nos nossos sacrários para conforto na nossa via dolorosa em demanda da Pátria.

As visões da Mãe de Deus acenderam nos corações dos pastorinhos de Aljustrel um amor ardente ao Deus escondido. Eles, especialmente Francisco, passavam horas em adoração ao Deus velado no sacrário. Eis, caríssimos filhos, como havemos nós também de concorrer para o crescimento do Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Meditando, visitando e adorando o Santíssimo Sacramento. É ele o centro da vida da Igreja. Pois ali temos o Deus conosco para nosso conforto, e como penhor de nossa vida eterna.

Nova noção de milagre

Outro ponto fundamental da formação católica que os mestres do novo cristianismo igualmente deturpam refere-se à credibilidade da Religião revelada. Pois, de fato, contendo embora mistérios que ultrapassam a capacidade intelectual criada, a Religião Católica não se impõe arbitrariamente ao fiel. Está muito longe do "crê ou morre" dos muçulmanos.  É ela um "rationale obsequium" não somente enquanto envolve a humildade da inteligência que se curva diante da Verdade incriada, mas também porque essa submissão não é cega, e sim plenamente justificável. E a justificação, que torna racional nosso assentimento às verdades reveladas, são especialmente os milagres operados pela Onipotência divina em abono da Revelação. O milagre vem a ser uma interferência de Deus Nosso Senhor à margem das leis da natureza, pela qual Ele produz um efeito que é inexplicável pela ordem natural das coisas, e que Ele assume com seu selo divino para comprovar a autenticidade da doutrina revelada por Ele, ou por seu profeta. Jesus Cristo aos judeus incrédulos apresentava como prova da verdade de sua doutrina os milagres que fazia: "Si mihi non vultis credere, operibus credite  -  Se não quiserdes crer em mim, crede nas minhas obras" (Jo. 10, 38), nos meus milagres que dão testemunho de que minha doutrina é realmente de Deus. No decurso da história da Igreja, Deus tem agido da mesma maneira.  Ainda em Fátima, para autenticar junto ao povo que os pastorinhos recebiam de fato a visita e a mensagem de Nossa Senhora, fez Ele o milagre do sol, que se desprendeu da abóbada celeste e caminhou em ziguezague sobre a multidão, enchendo-a de pavor.

Por isso mesmo, pela importância que têm os milagres como obra realizada imediatamente pela Onipotência divina, e, pois, como meio para autenticar a mensagem celeste, a Santa Igreja em Concílios e outros documentos de seu Magistério firmou a possibilidade, natureza e valor probativo dos milagres. Veja-se, por exemplo, o Concílio Vaticano I, Sess. III, cap. IV, cânones 3 e 4, ou o juramento antimodernista.

Pelo exposto, vedes, amados filhos, como apreciar a tentativa de dar às ações miraculosas uma explicação natural, sob pretexto de que Deus não iria contrariar uma natureza que Ele mesmo fez. Tal explanação não mantém, mas subverte totalmente a Religião Católica. Sem milagres, o Cristianismo não passaria de uma filosofia irracional, porquanto é firmado nos milagres operados por Jesus que nós sabemos que os mistérios por Ele revelados são de fato verdades divinas, e a eles assim aderimos com todas as veras de nossa alma. Aceitar mistérios sem ter a certeza de que realmente Deus os revelou, é agir irracionalmente. Não pretendamos, a título de reverência para com a obra de Deus que é a natureza, coibir o Senhor dessa mesma natureza de superá-la quando Lhe parecer conveniente para os seus inefáveis fins. E tenhamos a certeza de que Deus Nosso Senhor acompanhará sempre sua Igreja aprovando-a com milagres verdadeiros como já fez no início do Cristianismo, quando acompanhou com prodígios a pregação dos Apóstolos (cf. Marc. 16, 20).

Os exemplos propostos são suficientes para perceberdes, amados filhos, como os mestres do novo cristianismo de fato subvertem completamente a Religião Católica. Servem também para que vos mantenhais vigilantes contra tão nefastas inovações.

O Magistério não infalível

Certamente tereis percebido, amados filhos, pelos exemplos aduzidos, uma atitude estranha nesses inovadores. Há neles, de fato, uma ausência completa de atenção para com o Magistério supremo da Igreja, quer ordinário, quer solene, mesmo em Concílios com definições infalíveis.
É certo que o Concílio Vaticano I definiu que o Magistério do Romano Pontífice é infalível em determinadas condições. Não definiu que, faltando tais condições, seja o Soberano Pontífice igualmente infalível. Seria absurdo, no entanto, daí concluir que o Papa erra sempre que não faz uso de sua prerrogativa de infalibilidade. Pelo contrário, ainda quando não se reveste desta prerrogativa, devemos supor que ele acerte, porquanto normalmente age com prudência e não emite sua opinião antes de muito ponderar. Para não falar nas graças especiais com que o assiste o Espírito Santo. Por isso é de todo inaceitável a atitude leviana daqueles que não fazem caso dos Documentos da Santa Sé, que não vêm sigilados com a nota de infalibilidade. Pois esses Documentos obrigam a uma aceitação interna que só poderia ser recusada na hipótese de haver engano patente no que eles trazem, ou porque abertamente contrário a toda a tradição da Igreja, ou porque evidentemente falso. O que é absolutamente inadmissível é considerar, sem mais, peremptos documentos solenes do Magistério ordinário como as Encíclicas doutrinárias, especialmente as escritas para dirimir questões ou apontar erros relativos à Fé, como por exemplo a "Pascendi Dominici Gregis" de São Pio X, contra o modernismo, ou a "Humani Generis" Pio XII, contra o neomodernismo. Especial atenção merecem também os Documentos do Magistério ordinário quando Papa sucessivos, por um espaço suficientemente longo, repetem neles os mesmos ensinamentos. Temos neste fato um sinal de que tal doutrina faz parte do depósito de Fé confiado à Santa Igreja.


Não compreendemos, portanto, como se possa formar católicos, ignorando totalmente a fonte mais próxima da verdade revelada, que é o Magistério vivo. Só por semelhante atitude se tornam suspeitos os fautores de um novo cristianismo. Certamente não é desta maneira que se realizará o "aggiornamento" de que tanto falava João XXIII. [...]. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário