terça-feira, 28 de junho de 2016

Lutero: Reformador?

Textos e comentários extraídos do livro "A Igreja, a Reforma e a Civilização", livro escrito pelo célebre, seguro e erudito Padre Leonel Franca, S. J.

   "Não é meu intuito humilhar aqui os protestantes. Quisera tão somente iluminá-los. Verdades que amargam são muitas vezes verdades que salvam.
   Lutero inaugura a sua missão com o gravíssimo pecado do sacrilégio e da apostasia. Jovem, era livre. Um dia, enamorado do ideal evangélico de perfeição, desejoso de seguir de perto a Cristo, estende espontaneamente a mão sobre o altar e pronuncia os votos religiosos de pobreza, obediência e castidade. Passam os anos (dois). Raia o dia do seu sacerdócio. Ainda uma vez, quando o crisma sagrado lhe ungia as mãos, o neo-levita renova a consagração do religioso. Mais tarde que faz Lutero de todas estas promessas firmadas com a santidade inviolável do juramento? Quebra a fé empenhada, rasga os seus compromissos, atira o burel do religioso às urtigas e enxovalha a candura da estola sacerdotal no lodo de um casamento duplamente sacrílego!
   O orgulho fizera o fedífrago, o orgulho cegou o doutor. Na sua autossuficiência dir-se-ia que esqueceu não só a humildade evangélica mas as reservas da modéstia mais elementar. Até ao aparecimento do seu Evangelho ninguém soubera quem era Cristo, que eram sacramentos, que era a fé, quem era Deus e a sua Igreja. Os Santos Padres, os Apóstolos, os Concílios, a Igreja toda errou! Sua doutrina é a única verdadeira. "Muito embora, escreve Lutero, a Igreja, Agostinho e os outros doutores, Pedro e Apolo e até um anjo do céu ensinem o contrário, minha doutrina é tal que só ela engrandece a graça e a glória de Deus e condena a justiça de todos os homens na sua sabedoria". (Cf. Weimar, XL, 1 Abt., 132).  Que demência de soberba!
   Mais ao vivo ainda se revela o frenesi desta inteligência decaída, nestas palavras que não têm semelhantes nos fastos do despotismo e do orgulho humano: "Quem não crê como eu, escreve Lutero, é destinado ao inferno. Minha doutrina e a doutrina de Deus são a mesma coisa. Meu juízo é o juízo de Deus". (Cf. Weimar, X, 2 Abt., 107). "Tenho certeza que meus dogmas vêem do céu... eles hão de prevalecer e o Papa há de cair a despeito de todas a portas do inferno, a despeito de todos os poderes dos ares, da terra e do mar" (Cf. Weimar, X, 2 Abt., 184). "Não devemos ceder aos ímpios papistas... Nossa soberba contra o Papa é necessária... Não havemos de ceder nem a todos os anjos do céu, nem a Pedro, nem a Paulo, nem a cem imperadores, nem a mil papas, nem a todo o mundo... a ninguém, "cedo nulli". (Cf. Weimar, XV, 1Abt., 180-1). "Este Lutero nos vos parece um homem extravagante? Quanto a mim penso que ele é Deus. Senão, como teriam os seus escritos e o seu nome a potência de transformar mendigos em senhores, asnos em doutores, falsários em santos, lodo em pérolas". (Cf. Ed. Wittemb. 1551, t. IV, pág. 378). Orgia de orgulho satânico ou caso de patologia mental?
   Não é pois de maravilhar que este homem assim enfatuado de sua ciência, depois de haver negado a infalibilidade do Papa e proclamado a liberdade de exame para legitimar os próprios excessos, se tenha arvorado em cátedra inerrante de fé, constrangendo os seus sequazes a curvarem submissos a fronte ante os arestos inapeláveis de suas decisões infalíveis. Não houve tirania mais insuportável nem arrogância mais impetuosa que a deste pregador do livre exame. Todos os seus correligionários gemem sob o peso de seu jugo de ferro. Münzer dizia: "há dois papas: o de Roma e Lutero, e esse mais duro". Ao seu confidente Bulinger escrevia Calvino: "já não é possível suportar os arrebatamentos de Lutero; cega-o a tal extremo o amor próprio que não vê os próprios defeitos nem tolera que o contradigam"; e a Melanchton dizia Calvino: "com que impetuosidade fulmina o vosso Pericles! Singular exemplo deixamos à posteridade quando preferimos abrir mão de nossa liberdade a irritar com a menor ofensa um homem só! Dizem que é de gênio arrebatado, de movimentos impetuosos, como se esta violência não se exaltasse com lhe comprazerem os outros em tudo. Ousemos ao menos soltar um gemido livre". (Calvini Opera, XII, 99). "Vivo na escravidão, como no antro de Cyclope", murmura por sua vez Melanchton. (Bossuet, Hist, des variations, 1. 5, n. 15 e16). Contra Carlostadt, seu antigo mestre, que em tirar as conclusões da nova doutrina foi além do que pretendia o reformador, obteve o decreto de expulsão da Saxônia e não o readmitiu senão com a promessa de "não defender em público, por palavra ou por escrito, suas opiniões contrárias às de Lutero". (Weimar, XVIII, 86 sgs). A Münzer, por motivo análogo, cassou a liberdade de palavra apesar do "verbum Dei non est alligatum", que ele tantas vezes invocara contra a Igreja Católica. Assim entendia Lutero o livre exame!
   Ao ver esta prepotência com que o chefe da Reforma impunha despoticamente as suas opiniões, crê toda a gente sensata que nada mais firme, nada mais assentado e maduramente refletido que a nova doutrina. Erro. O inculcado emissário divino que modestamente se prefere a todos os doutores do céu e da terra, que blasona de inspirado do Espírito Santo, que recebeu "os seus dogmas do céu", hesita, retrata-se, contradiz-se, assenta e destrói dogmas pelos motivos mais fúteis, muda de opinião como um ator de roupa.
   NB.: Entre os inúmeros exemplos apresentados pelo Padre Leonel Franca, cingir-me-ei apenas à alguns, para não cansar meus caríssimos leitores.
   "Quanto à origem e legitimidade de sua missão, em pouco mais de 15 anos, Lutero mudou pelo menos 14 vezes de parecer. (Cf. Döllinger, Die Reformation, III, 205 ss.)
   Em 1519 Lutero escreve: "Confesso plenamente o supremo poder da Igreja Romana; fora de Jesus Cristo, Senhor Nosso, nada no céu e na terra se lhe deve preferir". (Cf. De Wette, I, 234). "Esta Igreja é a predileta de Deus; não pode haver razão alguma, por mais grave, que autorize a quem quer que seja a apartar-se dela e, com o cisma, separar-se da sua unidade". (Cf. Weimar, II, 72.). Em 1520 na sua Epístola Luterana tece os mais rasgados encômios a Leão X, louva-lhe a vida intemerata superior a qualquer ataque. (De Wette, I, 498). Nesse mesmo ano já Leão X é o Anticristo, e a igreja romana "uma licenciosa espelunca de ladrôes, o mais impudente dos lupanares, o reino do pecado, da morte e do inferno" ( De Wette, I, 498).
   ... Em 1523 escrevia: "Se acontecesse que um, dois, mil ou mais concílios decidissem que os eclesiásticos pudessem contrair matrimônio, preferiria, confiado na graça de Deus, perdoar a quem, por toda a vida, tivesse uma, duas ou três meretrizes, do que, consoante à decisão conciliar, tomasse mulher legítima e sem tal decisão não a pudesse tomar". (Cf. Weimar, XII, 237).

NB.: A obra do autor mais citado pelo Padre Leonel Franca é: "D. Martin Luthers, Werke. Kritische Gesmtausgabe, 1883 ss. Desta Edição crítica que até 1914 contava 50 volumes, é que o Pe. Leonel Franca mais freqüentemente se serviu.
            Depois, se Deus quiser, entenderemos melhor ainda  este homem desequilibrado quando fizermos a seguinte postagem: "Lutero e o Demônio".

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