sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

AMIZADE

   Quão grande motivo de alegria para nós padres o meditar nestas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Não vos chamarei servos, mas amigos"!
   "O discípulo que Jesus amava". É assim que o Evangelho fala de São João Evangelista. Era o amado por excelência porque o Mestre sabia que na hora das dores e nos vexames do Calvário, seria o único a tudo arriscar - a honra,  a vida; o sofrer opróbrios por amor dEle. Todos os discípulos fugiram, só ele ficou. Amizade não é palavra vã, mas uma alma em dois corpos como escreve Santo Agostinho - comunhão portanto de ideais, de alegrias, de sofrimentos, identificação completa. Por isso mesmo como é rara a verdadeira amizade!
   Jesus Cristo , não só enquanto Deus, mas enquanto homem, tem direito ao Amor das suas criaturas e mostra-se grandemente sensível às manifestações de dedicação ou perante a ingratidão; chora na morte do amigo Lázaro, chora ainda a ruína da infiel Jerusalém. Deus é Amor.
   Queres saber em que altura o amas e a intensidade do teu amor?
   Observa, se os seus interesses são os teus interesses, a sua glória, a tua glória, a salvação das almas, teu alimento; o progresso do seu Reino, o teu maior anseio. Amas a Igreja que é o Corpo de Cristo? Não vibras de indignação; quando a perseguem e caluniam? Alegras-te, com os seus triunfos e choras quando ela chora, sobre o cadáver dos seus filhos, mortos pelo pecado; gemes na apostasia dos fracos e na traição dos falsos irmãos? A boca fala da abundância do coração e pensa-se com facilidade, em quem se ama. Vê, se tens o coração tão cheio de amor que amas o teu Deus sem pensar que amas e pensas continuamente nele sem pensar que pensas; de tal modo estás identificado ao teu Senhor e Pai e Amigo!
   Vê ainda, se as tuas obras, dão flores e frutos, dignos de Jesus Cristo que disse, ser Ele a Videira, e nós os seus ramos - toda árvore boa dá bons frutos e é pelos frutos que conhecemos a árvore. Se formos de Deus nosso odor é Deus, saberemos a Deus, anunciaremos a Deus. Depois da  graça divina, nada tão precioso neste mundo, como a sã amizade, aliás ela é um prolongamento do mesmo Deus. Os santos, porque mais perto d'Ele, que os outros homens, são mais do que ninguém, sensíveis à amizade e ingratidão.
    No meio das cruzes da sua vida o Santo Cura d'Ars exclamava: "Do que tenho falta é dum pouco de amizade" Nós sabemos que seus colegas por inveja o perseguiam. Santa Teresa d'Ávila, não resistiu à pena causada pela ingratidão da superiora dum dos seus conventos, que educara e formara desde pequena, com desvelo de mãe carinhosa.
   Nenhum santo, atingiu os cumes da perfeição, sem ter passado pela prova da ingratidão, da traição e do abandono dos amigos.
   Jesus Cristo, nosso divino modelo,deu-nos o exemplo , permitindo a traição de Judas, suportando a sua presença nauseabunda durante três anos, convivendo com ele, o criticador, o ladrão, o cínico, o hipócrita... Ai, amar e não ser amado, ser franco e encontrar reserva, usar de lealdade e encontrar a velhacaria, a hipocrisia; criar alguém no amor para nos enterrar o punhal no coração!... "Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro" diz o Divino Espírito Santo. Os tesouros, apreciam-se muito, também porque são raros. A amizade nasce entre os bons, progride entre os melhores e consuma-se entre os mais perfeitos, sobretudo os santos. A amizade verdadeira, Deus a quer, e a abençoa e a deseja. Ama-se alguém como Deus quer, quando a nossa dedicação pelo amigo, não nos afasta do Pai Celeste, mas antes concorre para mais nos unirmos a Ele. O  amor ao amigo deve ser um prolongamento do amor de Deus. Dele deve provir e para Ele nos deve encaminhar.
   A verdadeira amizade, dizia Cícero ("De amicis"), é gerada e mantida pela virtude e sem virtude não pode haver amizade. Pois eu sinto que a amizade existe só entre os bons". Este filósofo e escritor latino, sendo pagão, se referia só à virtude natural. Os cristãos devem subir ainda mais e dizer que só há verdadeira amizade onde houver virtude sobrenatural, sobretudo a verdadeiro amor de Deus. Não há como negá-lo: A gente sente necessidade de um coração amigo; Jesus mesmo permitiu que seu Apóstolo predileto repousasse a cabeça sobre Seu coração. . É mister, no entanto, que o nosso amigo seja amigo de Deus ainda mais que nosso.
   Dai-me,  Senhor, a graça de Vos amar como preceituais, sobre todas as coisas, até sacrificar por Vós, todos os interesses, amar até dar a vida. Concedei-me por misericórdia a graça dum bom amigo que me aproxime do vosso amor, da vossa graça, da vida eterna; afastai Senhor, de mim, todos os maus, todas a tentações, todos os enganos, todos os hipócritas. Senhor, que me guardem os Anjos e os Santos!
   Ó Jesus, seja a Vossa Mãe Santíssima  a minha guia e a minha luz. Dai-me, Senhor, a graça de ser sempre bom, ainda que os outros sejam para mim maus; humilde perante os orgulhosos que me maltratam, mas jamais, Senhor, me deixeis ser cobarde na defesa dos direitos santos da vossa Igreja, no zelo da honra do vosso nome; fazei neste caso Senhor, que a minha alma mansa se transforme num leão, cujos rugidos ecoem pelo deserto do mundo, despertando os adormecidos, fortalecendo os fracos, animando e esclarecendo os confusos. Neste caso, Senhor, sofrer perseguição e dar a vida, é ser missionário, é aniquilar-se para que muitos vivam e cumpram plenamente o ensinamento que nos destes: "Não há  maior prova de amor do que dar a vida por quem se ama; se o grão não cair à terra e não morrer não dará fruto".
   Não creio que se possa chegar à plena identificação com Jesus Cristo, sem ter experimentado a traição, a perseguição, a ingratidão dos maus e sobretudo dos bons, ou como diz São Paulo: dos falsos irmãos.
   Terminemos com uma palavra das Sagradas Escrituras: "Aquele que é amigo o é em todo tempo, e nos transes angustiosos conhece-se o irmão". (Provérbios, XVII, 17).



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