quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A CERTEZA DA SALVAÇÃO - ( 38 )

   107. HÁ CERTEZA DO ARREPENDIMENTO.

   Alguém poderá dizer: Concordo com o sr. em dizer que ninguém pode ter a certeza de que nunca pecará na sua vida. Mas há uma coisa: o homem que peca, ainda pode salvar-se pelo arrependimento. Assim posso ter a certeza absoluta da salvação, porque tenho a certeza de que, se pecar, hei de arrepender-me e conseguir o perdão de Deus e, por conseguinte a vida eterna.

   - E quem lhe dá esta CERTEZA ABSOLUTA do arrependimento? 

   Primeiro que tudo: como disse São Paulo, não somos capazes nem de um pensamento bom, sem a graça de Deus (2ª Coríntios III-5). O arrependimento é, portanto, uma graça divina. 

   Esta graça, Deus não a nega ao coração bem disposto. Aquele que procura seguir sempre o bom caminho, aperfeiçoar-se em pensamentos, palavras e obras, portar-se santamente na Igreja de Deus, a qualquer falta, embora mínima que cometa, vê surgir espontaneamente, inquietadoramente, o arrependimento no seu coração. Arrependimento, porque caiu numa falta, a que o seu bom espírito não estava habituado; arrependimento mandado misericordiosamente por Deus, que quer logo acompanhar com a sua graça, fazer soerguer-se o seu servo fiel que teve a infelicidade de cair na tentação. 

   Mas o indivíduo que começa a recair muito frequentemente no pecado grave, sem fazer o esforço necessário para dele se emendar, vai pouco a pouco se tornando menos apto a receber a graça do arrependimento. À proporção que ele vai abusando das graças de Deus, o arrependimento vai escasseando e, depois de um certo tempo, pode desaparecer por completo. É o endurecimento do pecador, cuja consciência já emudeceu ou só faz ouvir mui fracamente a sua voz.

   Além disto, para ser verdadeiro, o arrependimento tem que incluir um propósito firme de deixar o pecado, custe o que custar, e não por um dia ou dois, mas por todo o resto da vida. Ora, há certos pecados que não podem ser deixados sem uma renúncia heroica. É o caso, por exemplo, das amizades pecaminosas, que prendem o coração; do vício da impureza, que tão frequentemente envolve as criaturas, do vício do roubo ou da embriagues. Às vezes é também o ódio que se enraizou no coração e ao qual o cristão nem sempre renuncia facilmente. Há casos, portanto, em que Deus exige do cristão, um sacrifício doloroso: Se o teu olho te escandaliza, lança-o fora: melhor te é entrar no reino de Deus sem um olho do que, tendo dois, ser lançado no fogo do inferno (Marcos IX-46). 

   Garantir que sempre se terá o arrependimento, seria garantir que nunca se abusará da graça de Deus e que também sempre se tomará a resolução heroica, por mais que ela nos custe, sejam quais forem as tentações que se nos depararem no futuro; e seria sempre uma certeza baseada na presunção, no desconhecimento da nossa inata fragilidade humana.

   E é o caso ainda de perguntar: há sempre a certeza de que é sincera a contrição?

   Muitas vezes o cristão se julga arrependido e de fato não está. Há no fundo do seu coração ainda uns restos de apego ao pecado e só Deus, que conhece perfeitamente a alma nas suas mais íntimas profundezas, é que bem pode saber se o arrependimento é deveras sincero. Porque a sinceridade do arrependimento não está propriamente na comoção que se sente em determinado momento; pode haver até lágrimas e soluços sem haver o arrependimento sincero, o qual consiste na firmeza da vontade em detestar o pecado de tal modo que não se queira, por hipótese alguma, cometê-lo jamais. É por isto que podemos ter dúvida sobre se estamos ou não na graça de Deus, sem que isto envolva absolutamente dúvida sobre o poder reparador da morte de Cristo, o qual bem sabemos ser infinito, mas dúvida, sim, sobre as disposições da nossa própria alma, as quais também são necessárias para a justificação. Bem-aventurado o homem que sempre está com temor (Provérbios XXVIII-14). Às vezes a falta de arrependimento é tão evidente que não é somente Deus que a percebe, qualquer observador imparcial pode percebê-la também; só a alma se ilude a si própria, tendo-se na conta de contrita, sem o estar de fato. Quantas vezes no confessionário acontece que o penitente vem confessar-se na suposição de que está contrito; e o confessor percebe claramente, pelas próprias declarações do penitente, que ele não possui a contrição verdadeira! Diz-se arrependido, mas não quer tomar as providências necessárias para fugir às ocasiões do pecado; adquiriu bens ilicitamente, mas sente repugnância em fazer a restituição; está empolgado pela paixão, mas não quer afastar-se de vez da criatura que desta paixão é causadora; diz perdoar, mas não quer nem ver a pessoa que o ofendeu etc. etc. 

   Se uma criatura nestas condições estiver no Protestantismo, está completamente atolada. Em vez de encontrar alguém que a advirta do perigo de condenação em que se encontra, vai deparar-se com um pastor a sugestioná-la de que já está salva, uma vez que tem a fé em Cristo e o arrependimento; a ensiná-la a sentir a "experiência da salvação", ou seja, a doce sensação de que Cristo já a salvou; a decantar as belezas de uma religião tão agradável, tão consoladora que já nos faz gozar neste mundo a certeza absoluta da recompensa celeste...

Um comentário:

  1. Muito interessante o tópico acerca do arrependimento que pode ser insincero, parcial, sujeito a interesses: a pessoa se diz arrependida, mas no recôndito da alma admite que ainda se sentiria interessada em se manter naquele determinado pecado; daí que não é um arrependimento sincero por naõ deixar de vez aquela determinada circunstancia que o leva de novo cair no pecado, como de reter bens alheios, manter uma paixão, admitir que não fará um esforço heroico para se safar de um vicio, vislumbrando que em breve, por não ser sincero, poderá admitir tacitamente a ocorrência daquele pecado...
    Uma confissão feita sob essas condições poderia ser, quem sabe, até inválida; sair pior que entrou...

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