quinta-feira, 21 de julho de 2011

UMA FILHA DE MARIA

      É fato confirmado por todos  os sacerdotes de alguma experiência, que não há morte mais feliz e mais consoladora do que a de um filho ou de uma filha de Maria.
      É o que se deu também com uma Congregada de Maria, de sangue real, falecida aos 6 de agosto de 1906, com 26 anos de idade e que se chamava Matilde da Saxonia-Coburgo-Gotha, princesa de Baviera.
      Casando-se a 1º de maio de 1900, em vez de entregar-se nesse dia às alegrias do lar, foi assistir, à noite, com seu esposo, o príncipe Luiz de Saxonia-Coburgo -Gotha, ao terço do mês de maio. Quando no fim do terço a procissão passava pela igreja, a jovem e bela princesa, com uma vela na mão, acompanhou o Santíssimo Sacramento. Tão raro exemplo de viva fé edificou a todos e lhes incutiu maior entusiasmo e fervor pelas coisas santas.
     Muito devota de Nossa Senhora, a princesa Matilde em todas as necessidades de sua pessoa ou de sua família prostrava-se diante da imagem da Santíssima Virgem, e abria-lhe seu coração cheia de confiança infantil. Com gosto, visitava ela muitas vezes, o lugar da romaria Absam, no Tyrol. Para as festas marianas costumava preparar-se por uma novena e pela recepção dos santos Sacramentos, não obstante ter por costume receber a santa Comunhão, pelo menos duas ou três vezes por semana.
     Quando, em 1901, a maternidade lhe deu um filhinho, consagrou-o, logo depois do nascimento, à Santíssima Virgem e, em 1902, foi com ele a Roma afim de obter-lhe a bênção do Santo Padre Leão XIII. A corte, à uma voz, foi de parecer contrário a semelhante idéia, não só por ser a criança um tanto fraca, como também pelos incômodos da viagem, demasiados para ela mesma. A princesa, porém, não se deixava convencer: "Indo ao Santo Padre" disse, "é impossível que aconteça algum mal ao meu filho". E não se iludiu. O venerável ancião do Vaticano, o mesmo que abençoara a Santa Teresinha, recebeu-a com a maior alegria e cordialidade no palácio, onde ecoaram alegres gritos infantis.
     A segunda criança, uma menina, no ano do jubileu da imaculada, foi por isso batizada com o nome de Imaculada.
     O Rosário era a coisa mais familiar à princesa; sem ele nunca assistiria a uma festividade qualquer; e nos últimos anos, quando sempre de cama, quase nunca a encontraram sem  que o tivesse na mão.
     Muito devota também do Sagrado Coração de Jesus, quer com saúde quer não, sempre festejava a primeira sexta-feira do mês com recepção da Santa Comunhão e exercícios de piedade. Gostava de distribuir imagens do Sagrado Coração, as quais era também encontradas em todas as partes do palácio.
     Um amor sincero aos pobres e aos que sofrem tornava-a um verdadeiro anjo consolador. Não podia ver sofrer alguém sem ficar comovida e não conhecia maior satisfação do que fazer bem a outrem. A pobres trabalhadores que passavam, mandava entrar e servia-lhes comida; a crianças pobres presenteava com roupa e distribuía mantimentos. Na Páscoa convidava-as para entrarem em seu jardim, divertindo-as com o brinquedo tão comum nos sul da Alemanha, de procurarem ovos de Páscoa.
     Cedo, bem cedo, o anjo da morte feriu-a. De perfeita saúde em solteira, adoeceu logo depois de casada; a tísica ameaçava sua existência. Não desconhecia a gravidade do mal e enfrentava a morte com tamanha intrepidez que seria mais natural num homem muito experimentado, do que numa princesa à qual o mundo sorria e considerava.
     É certo que apreciava a saúde e que, para obtê-la, muito rezava e deixava rezar, mas acrescentava sempre: "Como Deus quiser".
     Na primeira sexta-feira de Agosto, tendo comungado pela manhã e feito as práticas de costume, sentiu-se sobremodo debilitada. Ao médico, que aludia ao perigo de sua vida, respondia, antes um pouco surpresa: "Se o bom Deus o quer, de boa vontade morro".
     Acompanhava atentamente as orações do sacerdote e viu com toda a tranquilidade, que acendiam a sua vela da primeira Comunhão. Passou ainda uma vez o perigo, e desde então até à morte dedicou todo o tempo quase exclusivamente à oração. Inúmeras vezes seus lábios pálidos repetiam: "Meu Jesus, por teu amor!" "Como Deus quiser"; "Meu Deus, ajudai-me!" Sobre o peito tinha uma imagem de Nossa Senhora, e nas mão segurava o rosário e o crucifixo.
     Como todas as noites, também ainda na noite do domingo mandou vir seus filhos à sua cama e rezou com eles a oração da noite. Com voz débil dizia ao filhinho, o príncipe Antônio, e este por sua vez repetia: "Antes morrer, do que perder-me".
     Enfim, confessando: "Agora não posso mais", descansava de novo no leito sem forças.
     Na segunda-feira assistiu de novo à santa Missa, celebrada numa sala próxima de seu quarto e recebeu com toda a devoção a Jesus Sacramentado, que desta vez veio para guiá-la no caminho da eternidade.
     Talvez que ela o pressentisse; pois quando, à tarde, o confessor, com franqueza, lhe falava no iminente perigo, absolutamente não se mostrou sobressaltada. Confessou-se de novo e, após a absolvição sacerdotal, mandou vir seus pais, seus filhos, seu esposo e os demais de casa; despediu-se de modo comovedor, lembrando-se também dos amigos e parentes ausentes.
     Muito amiga das flores, tinha no balcão de seu quarto cravos magníficos; mandou cortá-los e deu-os como lembrança a esta e àquela pessoa de sua amizade. Bem assim distribuiu todos os objetos de culto sacro que se achavam no seu quarto.
     Após a despedida disse: "Agora estou pronta para tudo", e passou a ocupar-se unicamente com pensamentos na eternidade e no céu.
     Levou muito tempo desmaiada, durante o qual rezavam à cabeceira de seu leito uma irmã de caridade e sua fiel camareira. De repente, às 6 da noite, acordando por poucos momentos, ergueu-se com o rosto transfigurado e, com voz de admiração, disse à sua camareira: "Imagine! vou para o céu; eu o espero com toda convicção. Graças a Deus! Agora morro contente, ó meu Jesus, por teu amor!".
     A saudade do céu desde muito tempo tinha sido o objeto de suas conversas. Em candura infantil desejava entrar no céu sem purgatório.
      Às 11 da noite, sem ânsias e aflições, voltou se espírito a Deus, podendo-se esperar que se realizaram as palavras que o sacerdote rezou na missa do mesmo dia: "Quão belo é estar em Tuas moradas, oh! Senhor dos Exércitos!"
UM TRECHO DO SEU TESTAMENTO
   TRANSCREVEMOS um trecho do testamento espiritual da piedosa princesa, cuja publicação era de seu desejo:
   "Ao lerdes isto, já não existirei. Rezai por mim muitas, muitas santas missas. Peço que não me deis coroas, a não ser uma de rosas bravias, Dai antes este dinheiro para serem celebradas missas, e vós, protestantes, dai o dinheiro por mim aos pobres.
   A todos vós que vi e conheci, peço perdão se, cientemente ou não, vos molestei. Assim também a todos perdoo, aos que me prejudicaram ou que contra mim alimentaram ódio ou aversão. Nunca guardei rancor contra alguém e a todos vós, amigos e inimigos, amei carinhosamente em Cristo. Deus abençoe a todos vós que me fizestes algum bem, me falastes com bondade, me destes um olhar amoroso, uma palavra de consolo.
   Irmãos amigos, inimigos, católicos, heréticos , enfim judeus e pagãos; a vossas almas, sim a vossas almas imortais, eternas, eu amo mais do que tudo neste mundo e para salvá-las de boa vontade sofreria os maiores tormentos, pois receio por vossas almas. Não esquecei que toda esta vida é só um tempo de provação, que cada palavra irá para a eternidade, que cada ação passará para os tempos eternos e que tudo, tudo se levantará contra nós no último dia, na hora decisiva da morte em que nada nos seguirá a não serem nossas palavras e ações, nossos pensamentos e desejos.
   "Pensai-o".
     "Baviera, bela pátria, agradeço-te o caloroso amor, que me foi na vida qual raio do sol. Áustria, agradeço-te a boa amizade com que me cercaste.
     "E agora adeus! a vós todos que lerdes isto. oh! que fizésseis tudo por Deus! Quão ricos seríeis na hora da morte!
      "Pensai-o"!
      Um dia fui bela e moça, e gostava da vida - agora sou morta, um cadáver.
     Em poucos dias os vermes devorar-me-ão; perante Deus talvez sou pobre e feia. Pensai-o!...
     Vós tereis a mesma sorte. Pensai-o; se virdes rosas, pensai em mim: elas florecem e fenecem em um dia, decompõem-se em pó, e vermes as comerão. O homem, porém, tem uma alma!
     "As velas bruxuleiam no meu esquife; só pouco tempo ainda arderá sua tranquila luz.
     "Quando arderá vossa vela de morte, amigos? Pensai-o! Não me esqueçais e amai-me rezando a Deus!"
                       Mathilde de Saxonia-Coburgo-Gotha,
         Duqueza de Saxonia, nascida Princesa de Baviera.
                                     Innsbruck,1902.
  

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