sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

O ZELO PELAS ALMAS


LEITURA ESPIRITUAL 


  "À medida que o amor de Deus vai tomando posse dos nossos corações, faz nascer e alimenta neles um amor cada vez maior para com o próximo, amor que, sendo sobrenatural, tende acima de tudo ao bem sobrenatural dos nossos semelhantes e converte-se em zelo pela salvação das almas.
   Se amamos pouco a Deus, também amaremos pouco as almas e, vice-versa, se o nosso zelo pelas almas é fraco, também o é o nosso amor a Deus. Efetivamente, como seria possível amar muito a Deus sem amar muito os que são Seus filhos, os que são objeto do Seu amor, dos Seus cuidados, do Seu zelo? As almas são, por assim dizer, o tesouro de Deus. Ele criou-as à Sua imagem e semelhança por um ato de amor, remiu-as com o Sangue do Seu Unigênito por um ato de amor ainda maior. "Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna" ( Jo. III, 16 ). Quem penetrou o mistério do amor de Deus aos homens, não pode permanecer indiferente pela sua sorte: à luz da fé compreendeu que tudo quanto Deus opera no mundo é para seu bem, para sua felicidade eterna e quer de algum modo participar nesta ação, sabendo que não pode fazer coisa mais agradável a Deus do que prestar a sua humilde colaboração na salvação dos que Lhe são caros. Foi sempre este o desejo ardente dos santos, desejo que os impeliu a realizar heroísmos de generosidade, ainda que fosse para o bem de uma só alma. "Esta - escreve Santa Teresa d'Ávila- é a inclinação que o Senhor me deu. Parece-me que Ele aprecia mais uma só alma que Lhe ganhemos com as nossas indústrias e orações mediante a Sua misericórdia, do que todos os serviços que Lhe possamos fazer" ( Fd. 1, 7 ).
   É verdade que o fim primordial da ação de Deus é a Sua glória, mas Ele, infinitamente bom, gosta de a procurar particularmente através da salvação  e felicidade das Suas criaturas. De fato nada exalta tanto a Sua bondade, o Seu amor, a Sua misericórdia, como a obra salvífica em favor dos homens. Por isso, amar a Deus e a Sua glória significa amar as almas, significa trabalhar e sacrificar-se pela sua salvação.
   O zelo pelas almas nasce da caridade, da contemplação de Jesus crucificado: as Suas chagas, o Seu Sangue, os sofrimentos dilacerantes da Sua agonia, dizem-nos como valem as almas na presença de Deus e como Ele as ama. Este amor, porém, não é correspondido e parece que os homens ingratos querem fugir cada vez mais à Sua ação. É  o triste espetáculo de todos os tempos que ainda hoje se repete, como se quisessem insultar Jesus e renovar a Sua Paixão. "Todo mundo está em chamas: os ímpios querem, por assim dizer, voltar a sentenciar a Cristo, pois levantam contra Ele mil falsos testemunhos e querem deitar por terra a Sua Igreja". Se Teresa d'Ávila ( Caminho 1, 5 ) podia afirmar isto do seu século atormentado pelo protestantismo, com muito maior razão podemos afirmá-lo nós do nosso, em que a luta contra Deus e contra a Igreja aumentou desmedidamente e alastra por todo o mundo. Felizes de nós se pudéssemos também repetir com a Santa: "Despedaça-me o coração a perda de tantas almas. Quisera não ver perder-se mais nenhuma... Mil vidas sacrificaria eu para salvar uma só alma das muitas que se perdem" ( ib. 4 e 2 ). Mas não se trata só de formular desejos; é preciso agir, é preciso trabalhar e sofrer pela salvação dos irmãos.
   São João Crisóstomo afirma que "nada há de mais frio do que um cristão que não se preocupa com a salvação dos  outros". Esta frieza  é consequência de uma caridade muito frouxa; acendamos, reavivemos a caridade e acender-se-á em nós o zelo pela salvação das almas. Então o nosso apostolado deixará de ser um dever imposto do exterior  que devamos  cumprir    necessariamente por obrigação do nosso estado, para se tornar uma exigência do amor, uma chama que se inflama espontaneamente no fogo interior da caridade.
   Dar-se à vida interior não significa fechar-se numa torre de marfim para gozar tranquilamente as consolações divinas, desinteressando-se do bem alheio, mas significa concentrar todas as energias na busca de Deus, no trabalho da santificação pessoal para agradar a Deus e adquirir um poder de ação e intercessão capaz de obter a salvação de muitas almas". ( Extraído do Livro "Intimidade Divina" de autoria do P. Gabriel de Sta. M. Madalena, O.C.D. ).
      Vamos completar este artigo com alguns excertos do livro "Tratado do Amor de Deus" de autoria de São Francisco de Salles.
   "Não há dúvida, meu caro Teótimo, de que Moisés, Fineas, Elias, Matatias, e muitos servos de Deus se serviram da cólera, para exercerem o zelo em muitas ocasiões assinaladas.
   Convém, porém, notar que eram pessoas com a capacidade suficiente para bem manejarem as paixões e dominarem a cólera.
   São Dionísio, falando a Demófilo que pretendia chamar zelo à fúria e raiva que o dominavam, disse-lhe: "Quem quiser corrigir os outros deve, em primeiro lugar, empregar o máximo cuidado,  de impedir que a cólera exceda a razão do império e domínio que Deus deu à alma, e provoque revolta, sedição ou confusão em nós mesmos. E por isso nunca podemos aprovar vossos ímpetos de zelo indiscreto, ainda que mil vezes aponteis o exemplo de Fineas e Elias, porque tais palavras não agradaram a Jesus Cristo, quando lhe foram dirigidas pelos Discípulos, que não tinham ainda participado do seu doce e benigno espírito".
   Quando Fineas, continua São Francisco de Salles, viu aquele desgraçado Israelita ofender a Deus com uma Moabita, matou-os ambos; Elias predissera a morte de Ocozias, que, indignado com a profecia, enviou dois capitães, um depois do outro, com cinquenta soldados para o prender; o homem de Deus fez descer o fogo do céu, que os fulminou.
   Ora um dia Nosso Senhor, passando na Samaria, mandou a uma cidade pedir hospedagem, mas os habitantes, ao saberem que Nosso Senhor era Judeu de nação e ia para Jerusalém, recusaram-lha.
   À vista desta recusa, São João e São Tiago, disseram a Jesus: Quereis, Senhor, que façamos descer sobre eles fogo que os devore? Mas Nosso Senhor, voltando-se para eles, repreendeu-os com estas palavras: Vós não compreendeis de que espírito sois; o Filho do Homem não veio para perder as almas, veio para as salvar ( Luc. IX, 52-56. ).
   Ora, é isto que quer dizer São Dionísio a Demófilo quando este alegava em sua defesa o exemplo de Fineas e de Elias. São João e São Tiago queriam imitar a Elias, fazendo descer o fogo do céu  sobre os homens, mas Nosso Senhor repreendeu-os e fez-lhes perceber que o Seu zelo, era doce, bondoso e afável e que empregava a cólera rarissimamente só quando não houvesse esperança alguma de tirar resultado doutra sorte.
   Aqueles grandes santos eram inspirados imediatamente por Deus e conseguiam por isso empregar a cólera sem perigo. O mesmo Espírito que os incitava, segurava também as rédeas da sua justa cólera, para que esta não excedesse os limites que lhe fixava.
   Porque São Paulo uma vez chamou aos Gálatas de insensatos; porque descobriu aos de Cândia as suas depravadas inclinações; porque resistiu de frente ao glorioso São Pedro, seu superior, segue-se daí que nos seja lícito injuriar os pecadores, difamar as nações, desautorizar e censurar os nossos superiores e prelados? Não, porque nós não somos S. Paulos, para sabermos fazer essas coisas com cabimento.
   Porém os espíritos avinagrados, descontentes, presumidos e maldizentes, servindo apenas as inclinações, humores, aversões e temeridades próprias, querem encobrir a sua injustiça com a capa de zelo e deixam-se, sob o nome deste fogo sagrado, devorar pelas próprias paixões.
   O verdadeiro zelo é filho da caridade, porque reside no ardor; como ela é paciente, benigno, imperturbável; não quer debates, não tem ódios, nem invejas, e compraz-se na verdade.
( Confira: Tratado do Amor de Deus, de S. Francisco de Salles, livro X, capítulo XVI ).

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